Princípios e Diretrizes
de Direitos Humanos
na Política Fiscal
- Versão 0.0.1
- Princípios
I. Principios Gerais (1-2)
A política fiscal deve ter como uma finalidade fundamental a realização dos direitos
Os Estados devem:
1.1 Garantir que suas políticas econômicas sejam compatíveis com os direitos humanos.
1.2. Garantir que a política fiscal esteja a serviço da realização dos direitos humanos, sejam estes civis e políticos, ou econômicos, sociais e culturais. Para tanto, devem assegurar que a política fiscal ofereça financiamento adequado de outras políticas para garantir os direitos; redistribua a renda e a riqueza para alcançar a igualdade substantiva; conte com uma estrutura de instrumentos fiscais que permita a proteção e promoção dos direitos; e fortaleça a governança democrática dos recursos públicos sob critérios de transparência, participação e prestação de contas.
1.3. Garantir que atuem em conformidade com suas obrigações de direitos humanos quando perseguirem outros fins legítimos com sua política fiscal, como o crescimento econômico ou a estabilidade macroeconômica.
1.4. Garantir que todos os seus organismos que intervenham na política fiscal levem em conta as obrigações em matéria de direitos humanos em seus respectivos mandatos, e atuem de forma integrada e coerente para assegurá-los.
1.5. Interpretar as diferentes estruturas normativas que se aplicam à política fiscal em harmonia com suas obrigações em direitos humanos, dando prevalência a tais obrigações sobre outras.
Diretrizes
Em função desse princípio, os Estados deveriam:
1. Adotar um quadro institucional orientado à garantia de direitos.
Estabelecer um quadro institucional de formulação da política fiscal que assegure a orientação desta à garantia dos direitos como um de seus principais objetivos. Isso implica tomar decisões em matéria fiscal com base em informação relevante sobre como mobilizar, alocar e executar recursos para garantir os direitos, utilizando, entre outros, mecanismos tais como:
- Avaliações sobre os impactos distributivos e sobre populações específicas –comunidades indígenas, afrodescendentes e mulheres, por exemplo– do sistema tributário, considerando os diferentes tipos de impostos e outras receitas do governo, que sejam periódicas, estejam abertas à fiscalização pública e usem metodologias comparáveis.
- Sistemas de orçamentos com resultados baseados em indicadores de gozo efetivo de direitos suficientemente detalhados para responder às necessidades de populações específicas.
- Análises independentes da sustentabilidade da dívida e seus efeitos sobre a capacidade de cumprir com as obrigações em direitos humanos.
- Estimativas periódicas dos recursos necessários para atender às problemáticas não resolvidas em matéria de direitos humanos que informem o planejamento macrofiscal e orçamentário.
- valiações prévias das repercussões da privatização de empresas públicas nos direitos humanos.
- Avaliações periódicas de eficiência arrecadatória para garantir que as políticas estejam mobilizando o máximo dos recursos potenciais, incluindo o controle da elisão e da evasão fiscal, a recuperação das dívidas tributárias e a revisão dos perdões fiscais.
2. Assegurar a coerência e a cooperação entre instituições e políticas.
Garantir que suas instituições estejam coordenadas e cooperem para que a política fiscal priorize a realização dos direitos. Isso requer, entre outras coisas:
- Garantir espaços suficientes e adequados para discutir e adotar soluções fiscais para problemáticas de direitos humanos não resolvidas.
- Sistemas de informação adequados com enfoque de direitos humanos nos níveis nacional e subnacional.
- Fortalecer a capacidade técnica e o poder decisório de outros ministérios para a interlocução com os ministérios da fazenda e das finanças públicas.
- Assegurar a coerência da política fiscal com outras políticas, tais como a monetária, a cambial ou a financeira, de modo tal que a interação entre elas seja consistente com as obrigações de direitos humanos.
3. Aprofundar a democracia fiscal.
Garantir que os processos de tomada de decisões em matéria fiscal se baseiem no diálogo nacional o mais amplo possível, com participação significativa da sociedade civil. Isso exige ao menos:
- Garantir que a política fiscal esteja sujeita à fiscalização da população durante as etapas de desenho, implementação e avaliação.
- Incentivar as organizações independentes da sociedade civil e da academia a desenvolverem alternativas de política fiscal e fazerem avaliações dos impactos sociais destas, assim como criar espaços de diálogo com as instituições nesse campo.
- Estimular a pesquisa acadêmica e a difusão de dados dirigidos aos impactos distributivos e sociais da política fiscal.
- Dotar a sociedade civil de informação e dados para que ela possa fazer suas próprias avaliações da política fiscal.
4. Pactos fiscais.
Avançar na construção de pactos fiscais de longo prazo orientados à realização dos direitos, que incentivem um maior nível de cumprimento tributário voluntário. Tais pactos fiscais deveriam se basear em relações de reciprocidade entre o Estado, a cidadania e as empresas, acorde aos compromissos constitucionais de cada Estado, que incluam acordos sobre:
- a gestão das finanças públicas, levando em consideração critérios contracíclicos, redistributivos, de garantia de direitos e de sustentabilidade ambiental;
- a conquista de reformas tributárias mais progressivas, especialmente do imposto de renda, do imposto sobre o patrimônio e de tributos aplicados aos recursos naturais associados a políticas de transição ecológica, para reduzir os possíveis efeitos regressivos, ou impostos às transferências financeiras, à riqueza e ao capital;
- a avaliação da qualidade e da transparência do gasto público; e
- a governança da política tributária em particular, da política fiscal em geral e da política financeira, entre diferentes níveis de governo.
As obrigações nacionais e internacionais de direitos humanos impõem limites à discricionariedade dos Estados no que diz respeito a sua política fiscal.
Los Estados devem:
2.1 Desenhar, implementar e avaliar sua política fiscal em conformidade com suas obrigações de respeitar, proteger e garantir os direitos humanos. Ainda que as obrigações de direitos humanos não estabeleçam políticas fiscais específicas, elas limitam a discricionariedade dos Estados em todos os instrumentos e fases da política fiscal.
2.2 Abster-se de interferir no desfrute dos direitos, discriminando certos grupos, retirando ou desviando fundos dos programas existentes, ou destinando fundos a políticas que afetam negativamente os direitos. Devem evitar que sua política afete negativamente o direito à participação política igualitária e à representação democrática (obrigação de respeitar).
2.3. Proteger das ações de terceiros que perturbem ou comprometam sua tarefa de mobilizar recursos, alocar orçamentos e efetuar gastos para a garantia dos direitos. Devem regular o papel desses terceiros, estabelecer mecanismos de denúncia, intervir sistematicamente quando cometerem uma infração, e eventualmente sancioná-los. Devem se abster de outorgar qualquer forma de apoio ou incentivo àqueles que não cumprirem com suas responsabilidades em matéria de direitos humanos ou incorrerem em atos de corrupção (obrigação de proteger).
2.4. Adotar as medidas positivas necessárias em matéria de política fiscal para assegurar a plena realização dos direitos da forma mais rápida possível, sem discriminação alguma e promovendo a igualdade substantiva (obrigação de garantir). Isso inclui o dever de financiar a provisão de bens e serviços essenciais para a garantia de direitos em quantidade suficiente; acessíveis do ponto de vista financeiro e geográfico; aceitáveis no sentido de responder às diferenças culturais, socioeconômicas e de outro tipo; e de boa qualidade.
Diretrizes
Em função desse princípio, os Estados deveriam:
1. Quadro normativo.
Adotar um quadro jurídico, normativo e administrativo para a gestão das finanças públicas, fundamentado em suas obrigações em termos de direitos humanos, que seja preciso e transparente, e regido por leis, regulamentos e procedimentos integrais e compreensíveis.
2. Enfoque de direitos.
Basear sua política fiscal em um enfoque de direitos e incorporar um olhar integral que articule a oferta de programas e políticas de todos os setores e níveis de governo com as necessidades em matéria de direitos humanos.
No caso do orçamento, para que este possa ser confeccionado e avaliado sob uma perspectiva de direitos humanos, os Estados deveriam:
- Alocar os recursos com critérios de orçamentação por programas;
- Aderir aos sistemas de classificação orçamentária estabelecidos internacionalmente;
- Revisar seus procedimentos administrativos para a formulação de declarações prévias à aprovação do orçamento e propostas orçamentárias para garantir que se ajustem às obrigações em direitos humanos;
- Revisar seus sistemas de classificação para garantir que incluam rubricas e códigos orçamentários que, no mínimo, desagreguem a informação orçamentária com critérios populacionais e territoriais, entre outros.
3. Estabelecer regulações e sanções para atores não estatais.
Exigir das empresas e de outros contribuintes o exercício da devida diligência para identificar, prevenir e mitigar os riscos de violação de direitos humanos derivados de suas práticas tributárias.
- Exigir das instituições financeiras a prestação de contas sobre seu papel na facilitação da evasão e da elisão fiscais, e supervisioná-las rigorosamente com agências especializadas; exigir delas licenças ou registros suscetíveis de suspensão em caso de descumprimento, e sujeitá-las a sistemas eficazes de monitoramento.
- Dar às agências supervisoras faculdades adequadas, inclusive autorização para realizar inspeções, requerer a apresentação de informação por parte das instituições financeiras e impor sanções. Em seu regime de regulamentação e supervisão dos bancos, incluir requisitos relativos à identificação do cliente, o estabelecimento de registros e a denúncia das transações suspeitas, tanto em canais internos quanto externos.
4. Captura do Estado.
Os Estados devem se proteger de terceiros que perturbem sua tarefa de mobilizar recursos, prevenindo a influência indevida de interesses privados na tomada de decisões sobre temas tributários e fiscais, o que pode implicar uma revisão da regulação sobre o lobby e o financiamento de campanhas políticas.
5. Geração de recursos.
Potencializar a progressividade da carga tributária e o caráter contracíclico de sua política fiscal e realizar reformas tributárias que visem melhorar o nível de arrecadação para assegurar a estabilização macroeconômica, permitir o financiamento dos gastos públicos, em particular do gasto social, e melhorar a distribuição da renda.
6. Alocação de recursos.
Priorizar a alocação de recursos para a realização dos direitos humanos acima de outras destinações possíveis, com especial ênfase para a proteção das populações em situação de desvantagem, e incrementar a alocação de recursos para os direitos não atendidos.
7. Execução de recursos.
Garantir que os recursos se executem de forma oportuna, eficaz, transparente e eficiente, conforme o orçamento aprovado. Assegurar a disponibilidade, acessibilidade, adaptabilidade e aceitabilidade dos bens e serviços necessários para a garantia dos direitos.
8. Governos locais e subnacionais.
Garantir que a descentralização seja favorável à realização dos direitos humanos e esteja acompanhada de estratégias de geração ou transferência de recursos e das capacidades técnicas e das ferramentas necessárias.