Princípios e Diretrizes
de Direitos Humanos
na Política Fiscal


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Preâmbulo

Todos os direitos humanos precisam de recursos para sua realização. A garantia dos direitos requer Estados com instituições sólidas que mobilizem, aloquem e empreguem suficientes recursos públicos de forma transparente, participativa e responsável. Isso deve ser feito em cumprimento dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e das normas incluídas nos principais tratados internacionais e regionais de direitos humanos, assim como dos arcabouços jurídicos nacionais, em particular as constituições dos Estados.

Entendida como o conjunto de políticas para a gestão do gasto e das receitas públicas, a política fiscal compreende todas as técnicas através das quais os Estados obtêm e alocam recursos, entre elas a tributação, a dívida pública, as receitas obtidas pelas empresas públicas, o planejamento macrofiscal e todos os processos associados ao ciclo orçamentário. Como fases da política fiscal distinguem-se a geração e mobilização de recursos, a alocação de recursos, a execução de recursos e o monitoramento da política fiscal.

Deve-se compreender a política fiscal como um instrumento para a garantia dos direitos civis, políticos, económicos, sociais, culturais e ambientais, que possui um enorme potencial transformador para combater a pobreza, as desigualdades –incluindo a de gênero–, as assimetrias de poder e outros fatores estruturais que obstaculizam a plena realização desses direitos. Uma política fiscal que distribua de maneira mais equitativa a renda e a riqueza, combatendo os níveis históricos de desigualdade que enfrentamos, pode também diminuir a polarização, a marginalização e o descontentamento social. O gasto público também permite proporcionar serviços públicos para reduzir as desigualdades socioeconômicas. Nesse sentido, deveria existir, para a tomada de decisões relativa à tributação e ao orçamento, uma democracia mais direta e participativa.

A política fiscal define a disponibilidade, a distribuição e o uso dos recursos com que os Estados contam para garantir os direitos humanos e para cumprir com a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, mediante a qual se comprometeram a “tornar realidade os direitos de todas as pessoas”, garantir um piso de proteção social universal, e enfrentar outros desafios globais, como a mudança climática.

A tarefa de alinhar as políticas fiscais com os direitos humanos requer padrões precisos. Os princípios de direitos humanos apontam as funções-chave da política fiscal e são completamente aplicáveis ao conteúdo substantivo das políticas fiscais, assim como a seus aspectos procedimentais. O direito internacional dos direitos humanos é um quadro jurídico vinculante para os Estados que serve de guia para implementar políticas fiscais mais legítimas e equitativas, e para resolver os dilemas de justiça envolvidos na alocação de recursos públicos escassos. Esse enquadramento também gera responsabilidades concretas para as empresas, as instituições financeiras internacionais e outros atores não estatais e intergovernamentais, que devem respeitar e contribuir à realização dos direitos.

Assim como outras áreas da atividade financeira pública, a política fiscal está sujeita a um conjunto emergente de normas, regulamentos e padrões complementários aos direitos humanos. Essa crescente complexidade, e a maior especialização disciplinar que ela acarreta, faz com que, por vezes, a política fiscal seja concebida como um assunto puramente técnico que deve ser tratado por um estreito círculo de especialistas, ocultando assim o vínculo direto que ela tem com a vida e o bem-estar das pessoas e das comunidades.

A política fiscal é um assunto de direitos humanos e, portanto, as regras e os padrões complementares que a regem devem ser interpretados à luz das normas de direitos humanos e das constituições nacionais como reflexo do pacto social. Não é o alcance dos direitos e desse pacto social o que deve se adaptar às políticas fiscais vigentes, mas são estas últimas as que devem se colocar a serviço dos primeiros.

As funções clássicas da política fiscal de estabilizar a economia e distribuir e alocar recursos não têm por que se contrapor ao propósito de garantir os direitos humanos. Pelo contrário, a prudência fiscal e econômica e o cumprimento das obrigações em relação aos direitos humanos não são objetivos mutuamente excludentes, dado que ambos se centram na importância de medidas cuidadosamente desenhadas que evitem, na maior medida possível, os efeitos negativos nas pessoas. Não obstante, tanto por aspectos de desenho quanto de implementação, as políticas predominantes no âmbito fiscal e, em particular, os chamados programas de austeridade, de consolidação fiscal e de ajuste estrutural, muitas vezes geraram riscos diretos e indiretos sobre os direitos humanos ao socavar as capacidades dos Estados para respeitar, proteger e garantir esses direitos.

Uma gestão responsável pela política fiscal, que garanta tanto o manejo sustentável das finanças públicas quanto o respeito às obrigações internacionais dos Estados em matéria de direitos humanos, é uma condição básica para garantir o bem-estar coletivo e a legitimidade democrática. Os Princípios e Diretrizes de Direitos Humanos na Política Fiscal apresentados a seguir constituem uma referência para desenhar e implementar políticas fiscais que sirvam como instrumento para avançar decididamente na garantia dos direitos, preservando políticas públicas sustentáveis e levando a sério os dilemas de política.

Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal. ©2024