














Falamos com Natalia Quiñones, responsável pela Cimeira do Ministério da Fazenda da Colômbia, que diz que, com este grande espaço, seu país deseja enviar uma mensagem de que as decisões de política pública em matéria tributária devem incluir todos os atores envolvidos na identificação e na solução de problemas.
2023 começou com notícias muito relevantes para o debate fiscal global. Durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, o Ministro da Fazenda da Colômbia, José Antonio Ocampo, anunciou uma Cimeira Latino-Americana para uma tributação global, inclusiva, sustentável e equitativa, que acontecerá nos dias 27 e 28 de julho na cidade de Cartagena, e será um passo importante para a construção de um pacto tributário para a América Latina e o Caribe. A partir de nossa Iniciativa para os Direitos Humanos em Política Tributária, unimo-nos em uma declaração conjunta em apoio ao chamado, uma excelente oportunidade para que os governos consolidarem um bloco tributário com maior poder conjunto nas negociações internacionais que lhes permitirá abordar problemas como o uso de paraísos fiscais pelas elites, a competição tributária e a falta de políticas e padrões comuns.
Mas, por que esta Cimeira pode ser considerada histórica em um contexto como o de essa região? Para Pedro Rossi, professor e pesquisador da Unicamp (Brasil) e membro de nosso Comitê de Peritos, o ressurgimento de vários governos de esquerda, como o de seu país, do Chile e da Colômbia, está nos levando a um momento de transformação que favorece um despertar para a questão fiscal, uma reação às políticas de austeridade e um reconhecimento da necessidade de reformas fiscais revolucionárias que reduzam as desigualdades sociais, transformem a estrutura produtiva e mudem a correlação de forças. Isto, tendo em mente que na primeira onda de governos de esquerda na América Latina não houve reformas e políticas fiscais substantivas para reduzir as desigualdades, beneficiadas por um contexto internacional de aumento dos preços das commodities.
Que a Cimeira seja convocada pela Colômbia tem seu próprio significado mesmo. Mariana Matamoros, pesquisadora sobre questões de justiça tributária da Dejusticia, uma organização que faz parte da Iniciativa, diz muito sobre as vantagens de que seu país está finalmente dando passos importantes para conseguir um sistema tributário melhor e que está aproveitando a situação regional de mudanças no governo para pensar em propostas de cooperação tributária. Agora, neste cenário favorável para discussão, a sociedade civil colombiana terá o enorme desafio de mostrar com provas como a evasão e outros problemas do sistema global afetam a realização dos direitos humanos e exigem soluções baseadas na tributação global.
Rossi concorda e acredita que o papel da sociedade civil e da academia vão ser cruciais nos diferentes cenários da Cimeira, pois a natureza das questões tributárias exige a mobilização de diversos atores sociais. Com isto em mente, ele aponta, o principal desafio para organizações e iniciativas como a nossa será aproveitar este momento para trazer a sociedade como um todo para a discussão do tema, e assim dar legitimidade popular às reformas que buscam reduzir as desigualdades e a justiça tributária.
Neste sentido, conclui Rossi, nossos princípios e diretrizes fornecem a base para mudar o paradigma da gestão da política tributária. Segundo o economista, o trabalho realizado por nossa Iniciativa já tem impacto em vários países da região, mas terá enorme potencial para apoiar as mudanças concretas necessárias para alcançar o pacto latino-americano de justiça tributária exigido pela Cimeira.
Com relação ao papel da sociedade civil, Natalia Quiñones, especialista em direito tributário internacional e responsável pela Cimeria no Ministério de Fazenda colombiano, menciona que o governo colombiano quer enviar uma mensagem de que as decisões de política pública em matéria tributária devem incluir a todos os governos, mas também todos os envolvidos na identificação e solução de problemas. De fato, a instituição lançou um apelo pré-cimeira para que qualquer pessoa, empresa ou organização no mundo apresente um resumo de 500 palavras dos problemas que impedem a construção de um sistema tributário global inclusivo, sustentável e equitativo.
"Queremos ter um roteiro completo de problemas e dar essa oportunidade ao público em geral de realmente informar as políticas públicas. É um exercício de baixo para cima que nos permitirá priorizar questões urgentes que contribuirão na construção de uma agenda de discussão para os ministros que participarão da Cimeira", diz Quiñones, acrescentando que os interessados também devem anexar seu curriculum vitae e enviá-lo antes de 27 de fevereiro.
Os resumos serão revisados por um comitê acadêmico formado por especialistas nacionais e internacionais para criar uma espécie de repositório de assuntos agrupados em oito temas: inclusão, governança e processo; SDGs, mudanças climáticas e tributação; tributação de empresas; política fiscal para digitalização e novas tecnologias; tributação individual; incentivos fiscais; administração, resolução de disputas e aplicação; e nexo e distribuição eqüitativa de poderes fiscais.
Este repositório será utilizado para criar uma publicação digital em espanhol e inglês chamada "Repensando a tributação global", e que terá registrados todos os problemas que o Ministério da Fazenda colombiano receberá, independentemente de sua procedência, sejam eles acadêmicos ou cidadãos preocupados. Um documento de política também será criado e enviado em junho aos ministros que confirmarem sua participação na Cimeira, bem como a outros fóruns globais que abordem estas questões.
Por sua vez, algumas das pessoas que enviarem resumos serão convidadas como palestrantes para o evento acadêmico "Repensando a Tributação Global", que acontecerá nos dias 2 e 3 de maio em Bogotá e que procurará discutir os problemas detectados para avançar após da Cimeira em uma agenda de soluções que, segundo Quiñones, terá uma metodologia semelhante à dos problemas.
Nossa Iniciativa dá-se num momento em que a desconexão entre direitos humanos e política fiscal é crítica, com múltiplas consequências negativas que podem ser exacerbadas em contextos de instabilidade econômica ou crise, e em face de medidas de austeridade fiscal, como agora. O problema é particularmente agudo na América Latina e no Caribe, a região mais desigual do mundo, marcada por altos índices de pobreza, medidas severas de austeridade, exploração desregulada dos recursos naturais e corrupção.
Em meio deste contexto, 2023 vem com uma série de oportunidades, momentos e debates que permitirão aos governos, academia, organizações da sociedade civil e movimentos sociais da região pensar e criar alternativas a estes problemas estruturais. Falamos, por exemplo, da Cimeira "Repensando a Tributação Global", convocada pela Colômbia, que discutirá uma nova estrutura global para o sistema tributário internacional e que, com valores como a inclusão, a sustentabilidade e a equidade, contribuirá para orientar as decisões de política fiscal e se-adaptar a uma economia que não pode mais ser guiada pelas regras obsoletas e injustas do passado.
Este também pode ser um ano crucial para começar a reverter a curva de desigualdade na América Latina através de uma maior justiça tributária: não apenas por causa das reformas tributárias progressivas na Colômbia, e eventualmente no Chile ou no Brasil, mas também porque no final de 2022 a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução apelando aos Estados para que iniciem negociações sobre uma Convenção Tributária sob os auspícios da ONU.
Segundo Vicente Silva, Oficial da Global Initiative for Economic, Social and Cultural Rights (GIESCR) e membro de nosso Grupo Impulsor, 2023 será um ano importante para o chamado a ganhar tração política, o que seria um grande momento para os países do Sul Global, pois permitiria-lhes alcançar uma governança que defendesse seus interesses nas discussões globais.
Do mesmo jeito, momentos eleitorais em países como Argentina, Guatemala e Paraguai —que estão votando para um novo presidente este ano—, bem como um possível novo plebiscito constitucional no Chile, podem oferecer oportunidades para exigir respostas e compromissos dos candidatos e constituintes sobre os principais desafios que enfrentamos em termos de justiça tributária na região.
Embora estas oportunidades sejam promissoras, nossa região também passa por um momento complexo desde o ponto de vista fiscal e monetário. As projeções da CEPAL esperam um crescimento econômico de cerca de 1,3%, uma inflação mais alta e taxas de juros mais altas devido ao contexto internacional desfavorável. A isto se somam as crises associadas à COVID-19, a crise ecológica, o alto custo de vida e o aumento da desigualdade.
Simultaneamente, a enorme regressividade de nossos sistemas tributários persiste. "Os pobres de nossa região pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos, especialmente as mulheres e os afro-descendentes", diz Nathalie Beghin do Inesc Brasil, um dos membros de nossa Iniciativa. Ela acrescenta pelo menos dois outros desafios que a região enfrenta: evasão e sonegação fiscal. Segundo a CEPAL, o não cumprimento fiscal na região é de cerca de US $325 bilhões anuais, enquanto a Rede de Justiça Tributária estima que os países da América Latina e Caribe perdem cerca de US $43 bilhões anuais em impostos devido ao abuso global de impostos transfronteiriços. Somam-se a isto os privilégios fiscais que beneficiam especialmente os mais ricos.
Para Julieta Izcurdia, da área de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ACIJ Argentina, outra das organizações da Iniciativa, em seu país o endividamento continuará a ocupar o debate público, o que para a sociedade civil implica continuar contribuindo com visões heterodoxas e argumentos robustos que mostram que a dívida é uma questão de direitos humanos e não uma questão puramente econômica, mesmo assim o papel equalizador que a política fiscal, os gastos e os impostos devem desempenhar para reverter as desigualdades em um contexto em que a dívida está condicionando a forma como o governo argentino cobra e investe em políticas sociais.
Do México, a Fundar, que também faz parte da Iniciativa, levanta as dificuldades geradas pelo interesse de seu Estado em aderir aos espaços internacionais emergentes, onde serão discutidas as regras tributárias globais. "Em vez de desempenhar um papel de liderança e assegurar um sistema tributário mais justo, o presidente propôs perante a ONU que aqueles que mais têm deveriam fazer uma contribuição voluntária, uma medida que definitivamente não pode ser considerada um imposto", diz Iván Benumea, coordenador do programa de Justiça Tributária da organização, para quem a desigualdade extrema e a crise climática, como problemas globais que podem ser resolvidos através da cooperação e coordenação internacional, exigem que os governos da região promovam conjuntamente uma política fiscal que esteja à altura do reto.
"Se esperarmos enfrentar com sucesso esses desafios, precisamos de novas idéias de governança e novos arranjos institucionais", diz Vicente Silva do GIESCR, destacando que precisamos de uma política fiscal progressiva e maior cooperação entre os países para possuir recursos suficientes e necessários para a recuperação e para financiar bens e serviços públicos universais, que têm o potencial de enfrentar a crise do custo de vida, reduzir a desigualdade e garantir dignidade para todos dentro dos limites do planeta.
Além de tributar a riqueza dos indivíduos mais ricos, eliminando despesas tributárias ineficientes e combatendo a evasão e fraude fiscal, Nathalie Beghin do INESC tem esperança nas soluções oferecidas por nossos Princípios sobre Direitos Humanos em Política Fiscal para os principais desafios da região. Ela diz que, com base nos mecanismos legais existentes, estas diretrizes mostram que se não forem feitas mudanças profundas na forma como os recursos públicos são coletados, os direitos humanos não poderão ser realizados e, neste sentido, oferecem alternativas para que nossos governos tomem decisões para a justiça tributária.
É aqui que Vicente Silva concorda, para quem a política fiscal não pode mais ser entendida como uma ferramenta que restringe seu exercício, mas como um dispositivo chave para sua realização. Desta forma, pensar em política fiscal a partir de uma abordagem baseada em direitos exige que repensemos nosso sistema social e econômico, passando de um modelo orientado para o PIB a outro centrado nos direitos das pessoas e na sustentabilidade do planeta. "Todas as agendas transformadoras precisam de recursos para serem viáveis, e os princípios e diretrizes fornecem-nos chaves valiosas para abrir essas conversas entre diferentes setores", conclui ele.
No 17 de janeiro de 2023, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, o Ministro da Fazenda da Colômbia, José Antonio Ocampo, deu uma entrevista à Reuters na qual anunciou a realização de uma Cimeira Latino-Americana de Tributação Global, Inclusiva, Sustentável e Equitativa, um passo importante para a construção de um pacto fiscal para a América Latina e o Caribe.
Por isso, as organizações que fazem parte da Iniciativa de Direitos Humanos em Política Fiscal, e outras que trabalham neste tema, se uniram em uma declaração conjunta e saudamos o chamado feito pelo governo colombiano para realizar esta Cimeira, que acontecerá na cidade de Cartagena em julho deste ano.
Na declaração, as organizações disseram que a reunião anunciada é uma excelente oportunidade para os governos latinoamericanos consolidarem um bloco fiscal com maior poder conjunto nas negociações internacionais para fortalecerem seus mecanismos de cooperação. A necessidade de enfrentar problemas como o uso de paraísos fiscais pelas elites, a concorrência fiscal, e a falta de políticas e padrões comuns, exigem a construção de uma agenda de cooperação robusta. Com a decisão unânime de iniciar conversações para uma estrutura global de cooperação tributária nas Nações Unidas, o momento não pode ser mais propício.
Nesta declaração também mencionamos que diferentes países da América Latina, como a Colômbia e o Chile, começaram a adotar reformas tributárias progressivas ao nível nacional, e agora precisamos dar um passo em direção à coordenação regional para aumentar a cobrança de impostos e garantir direitos, combater privilégios e perseguir abusos fiscais.
As organizações abaixo assinadas apelam aos governos da América Latina e do Caribe para aderir à proposta da Colômbia e mostrem liderança na construção de um pacto fiscal justo para a região.
Também saudamos a vontade do governo colombiano de assegurar que a voz da sociedade civil seja levada em conta desde o início, e encorajamos outros governos da região a abrir espaços para a participação igualitária e direta dos cidadãos na búsqueda da construção de um roteiro para que maior justiça fiscal surja a partir de um processo coletivo, transparente e responsável.
A nossa Iniciativa existe num momento em que a desconexão entre os direitos humanos e a política fiscal é crítica, com múltiplas consequências negativas que podem ser exacerbadas em contextos de instabilidade econômica ou crise, e em crescentes situações de austeridade fiscal. O problema é particularmente agudo na América Latina e no Caribe, uma região marcada pela desigualdade, altas taxas de pobreza, severas medidas de austeridade, exploração desregulada dos recursos naturais e corrupção.
Neste contexto, desde 2015, nossa Iniciativa tem procurado avançar no potencial que a política fiscal tem para a realização dos direitos humanos. Para continuar com essa missão, no ano 2022 que está prestes a culminar, estamos desenvolvendo pesquisas, parcerias e ações de advocacia de máximo valor para esse propósito:
Em janeiro de 2022, publicamos uma série de sete artigos descrevendo como vários outros atores econômicos além do Estado têm suas próprias obrigações na construção e monitoramento de políticas fiscais que garantem os direitos humanos. O autor deles, Juan Pablo Bohoslavsky —que também é pesquisador do Conicet na Universidade Nacional de Rio Negro (Argentina) e membro de nosso Comitê de Peritos—, explica como empresas, organizações regionais e internacionais, universidades, centros de pesquisa, credores, juízes, entre outros, têm grandes oportunidades para orientar as políticas fiscais em direção a cenários que combatam a pobreza e a desigualdade, assim como promover a justiça em todos os campos.
Mesmo assim, em fevereiro, publicamos um artigo escrito por dois pesquisadores do Centro de Políticas Inclusivas. Baseados nos Princípios de Direitos Humanos em Política Fiscal, eles fornecem orientações aos tomadores de decisão, acadêmicos, movimentos sociais e pessoas com deficiência sobre como incluir a deficiência na formulação e implementação de ações tomadas pelos governos para obter e alocar recursos públicos.
No mesmo ano, apresentamos outras três publicações: María Goenaga, membro do Comitê de Peritos de nossa Iniciativa, escreveu um documento sobre como fortalecer a moral fiscal em nossa região. Meggy Katigbak, pesquisadora filipina e especialista em justiça fiscal e de gênero, escreveu um documento sobre a direção que as instituições financeiras internacionais devem tomar com os países do Sul Global. Outro documento, escrito pelas organizações que fazem parte de nosso Comitê Diretor, analisa uma série de medidas fiscais tomadas pelos governos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e México durante a emergência sanitária do Covid-19.
Desde 1 a 8 de agosto, as oito organizações que fazem parte da Iniciativa, assim como especialistas, ativistas e movimentos sociais, reuniram-se para promover os Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal. Durante a Segunda Semana pela Justiça Fiscal e os Direitos Humanos, realizamos quatro eventos, uma campanha em redes sociais sobre a dívida externa argentina e um curso para jornalistas e sociedade civil que promovia novos debates para pensar juntos sobre como desenvolver medidas fiscais que respondessem às múltiplas crises que a região enfrenta.
Nesses espaços também pensamos sobre como os Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal podem ser utilizados para avançar em direção a economias que colocam as pessoas e o planeta em primeiro lugar. A recuperação pós-pandêmica, as desigualdades que afetam as mulheres, as pessoas LGBTQ+ e as pessoas com deficiência, o debate sobre a regulamentação da cannabis, a crise climática, entre outros temas, estavam na agenda.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou seu relatório anual para o ano 2021, no qual compilou a situação dos direitos humanos na região, com seus avanços e desafios. Na seção do relatório na qual a Comissão e a REDESCA se referem aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, as organizações celebraram a adoção e publicação de nossos Princípios e Diretrizes sobre Direitos Humanos em Política Fiscal, mesmo que mencionaram que nossa Iniciativa, "liderada por um grupo de proeminentes organizações e especialistas da sociedade civil regional" constitui uma ferramenta que contribui para a aplicação das normas interamericanas nesta área "e é útil para os órgãos do Sistema Interamericano, bem como para os Estados membros da OEA e outros atores relevantes".
Por sua vez, duas organizações multilaterais citaram os Princípios durante as discussões relacionadas à cooperação internacional em política fiscal e na luta contra a pobreza extrema. A primeira ocorreu durante a 77ª sessão da Assembléia Geral da ONU, em julho de 2022, onde a especialista independente sobre as consequências da dívida externa, Attiya Waris, apresentou um relatório intitulado "Rumo a uma arquitetura fiscal global usando uma lente de direitos humanos". Com base em nossos Princípios, Waris mencionou que eles são "inequívocos" no fato de que as obrigações dos Estados "vão além dos esforços unilaterais do nível nacional". Portanto, “os Estados têm a obrigação extraterritorial de assegurar que a legislação e a política fiscal respeitem e protejam os direitos humanos dos indivíduos além de suas fronteiras".
A segunda menção está em uma declaração da Comissária de Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatović, sobre o aumento da pobreza extrema no mundo, na qual, referindo-se à nossa Iniciativa, diz que as políticas fiscais baseadas nos direitos humanos "também podem ajudar a encontrar alternativas apropriadas à austeridade, prevenindo assim crises sociais, e ajudar a reverter a desigualdade, aliviando a carga desproporcional sobre as pessoas de baixa renda em alguns países".
A América Latina estava no limite em setembro com a votação aos cidadãos chilenos se eles queriam ou não uma nova constituição, pois a deixada pela ditadura do ex-presidente Augusto Pinochet ainda estava em vigor. Naquele momento de discussão cidadã, nossa Iniciativa apresentou os Princípios para os Direitos Humanos em Política Fiscal à Subsecretária de Finanças do Chile, Claudia Sanhueza, para iluminar o caminho em questões fiscais e de direitos humanos. Embora o resultado do plebiscito foi negativo para para esse fim, também participamos de uma importante reunião chamada #ReimaginaLa, na qual 40 organizações, contribuíram para pensar sobre o futuro do Chile e da região.
Em outubro houve as eleições presidenciais no Brasil. O país ainda enfrenta um momento político, social e econômico difícil de ser superado, pois o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) aprofundou as divisões entre aqueles que apoiam e não apoiam o Partido dos Trabalhadores (PT), ao mesmo tempo em que impôs uma agenda econômica radical que afetou seriamente as políticas sociais. Por isso, quando chegaram as eleições presidenciais e Bolsonaro enfrentou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nossa organização parceira Inesc entregou nossos Princípios de Direitos Humanos em Política Fiscal à equipe de política econômica de Lula. Com a vitória eleitoral deste último, esperamos que nosso documento seja um roteiro para seu próximo governo.
Ao final do ano, na Colômbia, o novo governo de Gustavo Petro propôs uma reforma tributária progressiva que enfrentou múltiplos obstáculos políticos e legislativos para ser aprovada. Nossa organização parceira Dejusticia ofereceu ao público informações valiosas sobre como esta reforma poderia incluir vários de nossos princípios.
Cerca de 400 pessoas de movimentos sociais, sindicatos e organizações da sociedade civil de todo o mundo se reuniram de 29 de novembro a 2 de dezembro em Santiago do Chile para a conferência #OFiP22 (Nosso Futuro é Público), que teve como objetivo desenvolver estratégias e narrativas para fortalecer os serviços públicos e assim garantir a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. A maioria de nossas organizações estavam presentes nos diálogos e na construção de propostas coletivas. Destacamos o painel "Cooperação fiscal e direitos humanos: como mobilizar recursos para uma transição verde e com uma perspectiva de gênero na América Latina", no qual nos acompanharam Liz Nelson, diretora de Justiça Fiscal e Direitos Humanos da Tax Justice Network, e dois dos membros do nosso Comitê de Peritos: Magdalena Sepúlveda, diretora executiva da Iniciativa Global para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (IG-ESCR), e Rodrigo Uprimny, de Dejusticia.
Oito meses após a invasão russa e em meio de uma crise inflacionária global, conversamos com Alejandro Rodríguez, chefe de incidência do ICRICT (Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation), sobre como os impactos econômicos deste conflito têm o potencial de afetar os direitos humanos, inclusive na América Latina e no Caribe. Aqui estão algumas das ideias que saíram do diálogo.
Estamos em um mundo globalizado; tudo e todos estão conectados. Comecemos pelo fato de que os países ocidentais impuseram sanções econômicas à Rússia que aumentaram os preços do petróleo e do gás natural para o resto da Europa —que é altamente dependente da importação desses produtos—. Como resultado, os preços da energia naquele continente subiram, o que também significou um aumento no custo dos bens com que a Europa fornece ao Sul Global. De fato, a guerra fez que a Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais de fertilizantes como a uréia, parasse de produzir nas quantidades a que costumava produzir. Qual é a consequência? Os alimentos, que precisam de tais insumos para serem produzidos em massa, também subiram de preço, aprofundando a pobreza e a desigualdade. Este é um dos impactos do conflito em nossa região, uma vez que as famílias de menor renda são as mais afetadas.
Embora o conflito tenha levado à reconfiguração de orçamentos em países como a Alemanha, onde os gastos militares dobraram pela primeira vez em décadas, a inflação levou os países da América Latina e do Caribe a aumentar as taxas de juros dos bancos centrais como receita para combater a inflação. Isto implica uma queda na economia (que muitos economistas chamam de recessão) e pode levar os Estados a tomar decisões de austeridade, com menos gastos em setores relacionados aos direitos econômicos, sociais e culturais, como os serviços públicos. Isto é contrário ao primeiro princípio da Iniciativa de Direitos Humanos na Política Fiscal: a realização dos direitos humanos deve ser um objetivo fundamental da política fiscal. Ao mesmo tempo, estes choques globais estão gerando um declínio econômico em muitos países, o que significa menores receitas tributárias para o bem-estar e os direitos das populações.
Não há dúvida de que os Estados têm que implementar medidas de gastos públicos para reduzir os golpes da inflação, mas isto requer mais recursos. Esta opção não é tão fácil, pois os países da América Latina e do Caribe já estão muito endividados para enfrentar os efeitos da pandemia de COVID-19, e a capacidade de financiamento está severamente limitada.
Os impostos sobre a riqueza, por exemplo, são uma medida fundamental que os Estados devem considerar para ajudar a responder à crise sem a necessidade de se implementar medidas de austeridade, dado que há provas de que afetam a pobreza e a desigualdade. Mas existem outras medidas além de um imposto sobre a riqueza, como um modelo de tributação justa das multinacionais, com uma taxa mínima global que faria com que essas empresas pagassem um imposto de renda corporativo de pelo menos 21% ou 25% nos locais onde estão localizadas. Isso poderia trazer muitos recursos para os países que não estão recebendo dinheiro das multinacionais porque elas desviam seus lucros para jurisdições que são paraísos fiscais ou que têm alíquotas muito baixas ou zero de imposto corporativo. Isto faz sentido a partir do Princípio #14 da Iniciativa de Direitos Humanos em Política Fiscal: os atores não estatais, incluindo empresas e intermediários, têm responsabilidades de direitos humanos em relação com seu comportamento fiscal.
O pacote de sanções ocidentais à Rússia é uma forma de pressionar o governo de Putin. Entretanto, a pressão seria maior se, entre outras medidas, os bens dos oligarcas próximos ao presidente que estão em jurisdições de paraíso fiscal pudessem ser congelados ou confiscados. Isto vai contra o Princípio nº 7 da Iniciativa de Direitos Humanos em Política Fiscal, que se refere à necessidade de transparência nestes assuntos. Isto é importante porque, de acordo com dados do Observatório Fiscal Europeu, a riqueza dos milionários russos fora da Rússia é equivalente a 85% da renda nacional russa. O problema é que não se sabe onde ela está e não há como confiscar tais bens.